O deputado Luiz Claudio Romanelli (PSB) destrói a tese
de que todos são “iguais” perante a lei. Ele enaltece o voto do ministro do STF
Gilmar Mendes que defendeu o fim do foro privilegiado para as mais de 54 mil
autoridades que hoje se beneficiam dele. Segundo o magistrado, citando o
jurista Lênio Streck, a restrição da prerrogativa de foro por função somente
para 594 políticos é como uma tosa de porco: “rende muito grito e pouca lã”.
Todos são iguais perante a lei?
Luiz Claudio Romanelli*
“A
promessa de incremento na aplicação da lei via restrição da prerrogativa de
foro me faz recordar a frase de Roberto Campos: “Não é proibido iludir o povo.
É apenas cruel”. (Gilmar Mendes)
O Supremo Tribunal Federal decidiu na quinta-feira (3) restringir a
prerrogativa de foro por função (foro privilegiado) dos 513 deputados federais
e 81 senadores. Segundo a decisão, só permanecerão no STF os processos cujos
crimes ocorreram durante o mandato do parlamentar e estejam ligados às funções
do cargo. Inquéritos e ações penais que não se enquadrarem nessa situação serão
enviados à primeira instância da Justiça Federal ou Estadual.
A decisão excluiu outras 54.400 autoridades que têm a prerrogativa de
serem julgadas por tribunais, ao invés de terem seus casos analisados em primeira
instância. Entre os que ainda permanecem com foro privilegiado nas esferas
estadual ou federal estão presidente e vice-presidente da República, ministros
de Estado, juízes, membros do Ministério Público, deputados estaduais,
governadores, prefeitos, comandantes das Forças Armadas, embaixadores.
A primeira vista e aos desavisados, pode parecer que o STF tomou uma
decisão para acabar a impunidade. Mas, na verdade, o STF decidiu que todos são
iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros. E antes que eu
tenha que desenhar para que alguns entendam, esclareço: não sou contra o fim do
foro privilegiado, mas se é para acabar com a prerrogativa de função, garantida
em vários artigos da Constituição Federal, que a mudança seja para todos e que
seja feita através de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) como deve ser
e não por decisão do STF.
Aliás, em abril do ano passado, o Senado aprovou uma Proposta de Emenda
à Constituição que prevê o fim da prerrogativa de foro privilegiado para julgamento
de parlamentares e membros do Executivo, excluindo os presidentes do Congresso
e da República. Mas a PEC não foi analisada pelos deputados e nem será neste
ano porque, com a intervenção federal do Rio de Janeiro, nenhuma alteração
constitucional pode ser feita.
De todos os ministros do STF, apenas dois, Dias Toffoli e Gilmar Mendes
votaram por acabar com o foro privilegiado de todos os que hoje se beneficiam
dele.
Dias Toffoli frisou que o foro por prerrogativa de função tem como
objetivo evitar manipulações políticas nos julgamentos e subversão da
hierarquia, para que haja imparcialidade nos julgamentos. Não se trata de
privilégio, acrescentou o ministro, até porque se reduz o número de instâncias
recursais, e com isso a chance de prescrição, tendo em vista a realização do
julgamento, que se dá de forma mais célere, em única instância. Ele propôs que
o STF fizesse uma intepretação extensiva da decisão, englobando não apenas os
parlamentares federais, mas 16.559 autoridades estaduais, distritais e municipais.
Tenho sido um critico do ministro Gilmar Ferreira Mendes, mas devo
admitir que ele foi preciso em seu voto, especialmente ao admitir que a
alteração sobre a prerrogativa de foro e competência do Poder Legislativo.
“… Todas as instituições da República devem respeito à Constituição,
mesmo a suas normas menos apreciadas. Incumbe à Corte Suprema fazer com que as
decisões políticas fundamentais que regem, guardam e governam a República sejam
cumpridas, ainda que lhe saibam amargas. É ao Poder Legislativo que cabe o
papel de rever más escolhas do constituinte originário, reequilibrando as
forças sociais…. Tenho que, neste caso, o STF não está verdadeiramente
interpretando a Constituição Federal, mas a reescrevendo. Para disfarçar o
exercício do poder constituinte, tenta dar-lhe o verniz da interpretação
jurídica das normas constitucionais.
Além do verniz de técnica jurídica, a nova interpretação vem embalada em
argumentos consequencialistas. É apresentada como a solução para desafogar os
tribunais, acelerar a punição de poderosos, afastar influências políticas dos
processos penais. Tenho que a nova interpretação não traz a perspectiva de uma
melhora no sistema judiciário em geral, ou na persecução penal em particular”,
afirmou.
Em seu voto, Gilmar Mendes desmonta os argumentos sobre a pretensa
ineficiência do STF, faz comparativos com os juízos de primeira instância e
afirma que “em grande parte, a disfuncionalidade da justiça criminal decorre de
privilégios concedidos aos seus atores”.
Mendes critica a Justiça e o Ministério Público e afirma que “é
impossível administrar um sistema criminal em que juízes e promotores contam
com 60 dias de férias ao ano, mais recesso e feriados diversos”.
Ao fim, afirma que se é para acabar com o foro, o STF “deve manter a
coerência e pronunciar a inconstitucionalidade de todas as prerrogativas
processuais, inviolabilidades e imunidades em geral deferidas a ocupantes de
cargos públicos, não oriundas diretamente da Constituição Federal”.
Não há por que limitar o debate à prerrogativa de foro decorrente de
cargos eletivos.
O fim do foro para senadores e deputados federais, decidido pelo STF,
equivale no fim das contas ao que disse o ministro Gilmar Mendes, citando Lênio
Streck, uma tosa de porco: rende muito grito e pouca lã.
Boa Semana! Paz e Bem!
*Luiz Cláudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana,
ex-secretário da Habitação, ex-presidente da Cohapar, e ex-secretário do
Trabalho, é deputado pelo PSB.